terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Processo colaborativo educa atores e movimenta comércio local



Henrique Fontes é diretor.

O espetáculo que estreia em março no aniversário de 12 anos da Casa da Ribeira, resultado do projeto Cena Aberta Formação, começa a tomar formas, a amadurecer junto com os atores e profissionais envolvidos. Em entrevista a Casa da Ribeira, Henrique Fontes, responsável pela direção da peça, falou sobre o processo colaborativo de educação de atores, cadeia produtiva, leis de incentivo, os vícios dos atores e de que forma o baixo índice de educação no estado reflete na formação teatral dos atores, devido a deficiência na leitura e interpretação dos textos estudados. Logo depois do carnaval, dia 22/02, está prevista a realização do primeiro ensaio aberto do espetáculo. 

Confira a entrevista.


Casa da Ribeira: Henrique, como acontece esse processo de formação?
Henrique Fontes: Desde o começo, dentre todas as vontades e desejos que a gente tinha, ficou claro que tínhamos que focar na formação. Os atores vinham de realidades de teatro muito diferentes. Alguns com pouquíssima experiência outros já com tempo de teatro, mas um tipo de teatro só. Então a gente se preocupou em dar uma formação de base, mas que pudesse contemplar uma certa diversidade, para que aqueles atores que já tivessem algum tipo de experiência pudessem se sentir desafiados. E foi o que aconteceu. Nos dois primeiros meses a gente trabalhou muito improviso, para poder levantar material para dramaturga. Mas também trabalhamos nessa formação, para trazer essas experiências teórico-práticas para eles, e eu sinto que isso abriu algumas portas.

CR: Como está sendo o processo nessa reta final?
HF:  Agora no terceiro mês focamos mais na montagem mesmo. A gente vem estruturando mais, já temos mais ou menos um esqueleto de 30 minutos de espetáculo, já passamos um pouco da metade da peça, tentando rumar pro fim. É um processo de formação ininterrupto, não vai parar quando a gente estrear, a formação vai continuar durante a temporada.

CR: Dentro dessa diversidade de perfis que você citou, qual foi o ponto de maior dificuldade que a equipe enfrentou?
HF: Foram duas dificuldades: uma é a necessidade de que a gente diversifique as apreciações deles, que eles possam ter arquivos mais variados do conhecimento, das artes em geral. E também os vícios de leitura, de fala, de formas de se colocar em cena. Vícios que os atores não conseguem se desvencilhar facilmente de um processo com um diretor para vivenciar com outro. Uma terceira é a leitura deficiente, reflexo do nosso baixo índice de educação aqui no estado – o RN tem um dos menores índices do IDEB no Brasil – e percebemos que as pessoas têm pouca leitura. E um ator que tem pouca leitura... ele vai ter que correr muito atrás.

Primeira fase do projeto consistiu na leitura de textos e improvisação.
CR: O Cena Aberta Formação foi contemplado na Lei Câmara Cascudo de Incentivo à Cultura, mas passou por alguns impasses para ser aprovado. Qual sua visão sobre essa situação?
HF: Esse projeto passou por um processo esquisito de reprovação, depois diligência. Fiquei pensando: será que não é um projeto necessário para a cidade? Será que é isso que está se querendo questionar sobre esses valores financeiros? Será que o benefício é muito pequeno? Mas quando a gente finalmente conseguiu aprovação e a captação através da Cosern e o trabalho começou, eu percebi que realmente é um trabalho fundamental. Agora a gente tem o recurso, mesmo pequeno, e com o tempo no limite, mas dentro de um planejamento.

CR: Qual a importância de um projeto desse porte, que pela primeira vez na cidade, remunera os atores somente para estudar teatro e ensaiar?
HF: É consenso entre todos os profissionais envolvidos: como é fundamental você ter condições financeiras de espaço-tempo e planejamento para realizar um processo desse, aonde você tem todo mundo aprendendo e recebendo por isso. Mesmo os profissionais carimbados, que já estão aí no mercado têm condição de construir um processo colaborativo, com a possibilidade de todos os profissionais crescerem, inclusive eu. Na direção começo a tomar mais consciência do meu processo criativo, é mais produtivo.

CR: Pensam em realizar uma segunda edição do Cena Formação?
HF: É um projeto que deve ser muito repetido, que deve ser feito, e se não for a gente na próxima edição, que alguém faça. É fundamental para a cidade que a gente abra esses espaços. Faço um apelo à LCC para que chegue bem próximo, acompanhe esse processo de perto para que não tenhamos problema em aprová-lo novamente. E a Cosern, que está sempre com a gente, com certeza vai ver esse resultado na cena e como isso vai ser gerado para as crianças que vão assistir.

CR: O que os cinco atores selecionados vão levar desse projeto?
HF: Os atores recebem para ensaiar e têm uma formação que com certeza vai levar eles a outro patamar. Glacyane, Luana, Hugo, Marina e Jociel vão sair daqui para outro momento na carreira deles. A formação aqui é real, concreta, deixa uma marca de transformação, corporal, inclusive. Atores como Hugo, que é visceral, que tá pronto ali e se joga, mas que tem uma deficiência muito grande na leitura, teve uma educação deficitária e ele reconhece e consegue enxergar isso. Limita muito ele, mas está correndo atrás para avançar, está lendo todos os dias. Eles não fazem corpo mole, estão realmente dedicados.
Cenário será compostopor luzes e projeções.

CR: Além de formar atores com uma excelente equipe de profissionais, há uma mobilização externa para a criação do espetáculo, como cenário, figurino...
HF: Sim, envolve toda uma cadeia produtiva. Mobiliza o ferreiro aqui do bairro, a loja de tecidos, a costureira que vai ser contratada, os restaurantes no entorno. A cultura tem isso: há um capital que envolve mais gente. Com a mesma verba aplicada numa indústria automobilística, por exemplo, aplicada à cultura, conseguimos atingir muito mais gente e acaba gerando mais renda na localidade.

CR: Qual o perfil do espetáculo?
HF: É uma peça de dramaturgia clássica. A gente buscou ir no fundamental e contar uma história bem contada. Clotilde tem se empenhado em construir essa fábula, essa narrativa na maneira tradicional da Jornada do Herói, porque é a jornada de uma heroína, sem deixar de fora as metáforas que a própria dramaturgia já traz.

CR: Qual a data de estreia? E o que vem depois?
A estreia será dia 06 de março e para o mês de abril estão previstas apresentações para escolas públicas do município, pela manhã e tarde. As crianças e adolescentes serão trazidas a Casa da Ribeira gratuitamente em ônibus específicos, através de programa associado aos professores das escolas.

Pré-sinopse do espetáculo
Inspirado na Jornada do Herói, o espetáculo conta a história é de uma menina que descobre um dia antes do seu 12º aniversário que os pais fizeram uma negociata na infância e a prometeram à Tirana Drago, quando completasse doze anos, para ser escrava numa mina de ouro. Ela sai desesperada atrás da Tirana para enfrentá-la e evitar que seja mais uma escrava dessa mina. No caminho ela vai encontrando obstáculos e guardiões, conforme a trajetória do herói. “É um conto de fadas que traz muitas referências do cotidiano, uma leitura metafórica, mas ampliada. Acontecem coisas terríveis, mas também muito bonitas”, completa o diretor Henrique Fontes.

Sobre Henrique Fontes

Ele é ator, diretor, dramaturgo, e sócio-fundador e atual diretor artístico do Espaço Cultural Casa da Ribeira. Como ator esteve em mais de 30 produções, com passagem pelo Grupo Clowns de Shakespeare (8 anos) ; Grupo Beira de Teatro (5 anos); Maine Masque (Maine - EUA - 1 ano); além de produções independentes em Natal e no estado de Minnesota (EUA). Como diretor tem 10 trabalhos estreados, entre eles A Mar Aberto, Pobres de Marré, Fluvio e o Mar entre outros, incluindo duas produções de médio porte (40 profissionais envolvidos em cada) e duas de grande porte ( 200 profissionais envolvidos em cada). Como dramaturgo tem 7 textos escritos e montados.

O Projeto
Cena Aberta Formação é fruto do décimo segundo edital lançado pela Casa da Ribeira e é patrocinado pelo Governo do RN e COSERN, através da Lei Câmara Cascudo. A manutenção deste formato de democratização do acesso aos recursos tem sido uma grande aposta da Casa em 11 anos de funcionamento.

O edital Cena Aberta Formação inicia um processo que atua na lacuna entre artistas e públicos, facilitando a formação de cinco atores selecionados via edital público e por etapas de seleção com oficinas, gerando trabalho para mais de 20 profissionais das artes cênicas. Durante 04 meses estes profissionais irão montar um espetáculo de teatro voltado para todos os públicos, com foco especial nas crianças e jovens que têm pouco acesso aos espetáculos de teatro.

O público pode acompanhar de perto os processos criativos que envolvem uma montagem teatral, através do blog cenabertaformacao.blogspot.com e no canal Casa da Ribeira TV no Youtube, que revelará todos os bastidores desta montagem, através da opinião dos atores em formação, da equipe de profissionais e da Casa da Ribeira. O desejo é que as pessoas possam ver que não há segredos mágicos e nem produtos instantâneos. O teatro é um ofício e como tal requer trabalho.


Ficha Técnica Cena Aberta Formação
Direção: Henrique Fontes
Assistente de Direção: Quitéria Kelly
Dramaturgia: Clotilde Tavares
Cenário, figurino e luz: João Marcelino
Trilha sonora: Luiz Gadelha
Preparadora vocal: Heliana Pinheiro
Preparadora corporal: Cláudia Viana

Atores em Formação
Glacyane Azevedo
Hugo Ferreira
Jociel Luis
Luana Vencerlau
Marina Chuva

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